"IGUALIDADE E DIREITOS DAS MULHERES"


 

Intervenção da Guida Ascensão, Candidata à Câmara Municipal de Serpa no passado domingo em Santarém, no "Encontro - Municípios Livres de Violência de Género"

Santarém, 05 de setembro de 2021
  
"A campanha eleitoral de Serpa aos três órgãos autárquicos a que apresentamos listas (Câmara , Assembleia Municipal e Assembleia de freguesia) é encabeçada este ano por três mulheres sob o lema “Novas Cartas Serpentinas”

Mais do que uma lista de ações necessárias ao desenvolvimento do nosso concelho, queremos uma verdadeira mobilização em torno de valores como  a Igualdade e a luta contra a violência de género.

As autarquias, enquanto promotoras de politicas locais , enquanto instituições próximas da população têm cada vez mais responsabilidades na assunção de competências em matéria de promoção da cidadania e da igualdade em prol de uma sociedade mais justa e mais saúdavel.

Mais de metade dos municípios do distrito de Beja não têm Plano para  Igualdade elaborado… Serpa é um deste municípios que apenas realiza anualmente na primavera uma Jornada sobre Igualdade , Inclusão e Cidadania… 

Há 20 anos atrás, quando se acolheu a primeira Campanha do Alentejo para Sensibilização da Opinião pública acerca da Violência contra as mulheres, a Câmara Municipal de Serpa, na altura presidida pelo Sr. João Rocha, com cinismo, recusou esta parceria…

Ao longo destes 20 anos , muito se tem evoluído em termos legislativos e de estruturas de apoio e proteção às mulheres vítimas de violência mas resta percorrer ainda muito caminho para reduzir o número elevado de situações que têm um desfecho trágico…

O progresso das leis contra a violência de uma forma geral e em particular contra as mulheres não basta …Existem as mentalidades, como é que se corrigem mentalidades ?

Aqui passamos para um domínio de intervenção de âmbito mais educativo e social porque a violência de género está frequentemente ligada a outros problemas graves, o “machismo”, o enraizamento dos valores judaico-cristãos que inferiorizam a mulher e anormalizam  (ou amoralizam) situações que se prendam com identidade de género e/ou a vivencia da sexualidade …

Quantas vezes não continuamos a ouvir no nosso quotidiano coisa como : 

“- uma mulher que usa uma saia curta , é porque está a pedir para ser violada …”

“- uma mulher que tenha passado por vários relacionamento , é uma P….”

“- Uma mulher mais velha solteira… é uma descompensada”

“- que há mulheres que gostam de apanhar… e que há mulheres que merecem apanhar…”

Quantas mulheres conhecemos que vivem em função do marido/ companheiro? Que são escravas do trabalho doméstico? Do cuidar dos filhos… dos pais… porque assim foram educadas… Quantas mulheres sentem culpa por não estarem com os filhos quando precisam de trabalhar até mais tarde ? Esta sensação de culpa e de obrigação de cuidar surge ainda com mais frequência em localidades onde as estruturas de apoio às famílias (ex : creches , ATLs, apoios domiciliários etc…) escasseiam…

Muitas destas mulheres aparentemente cientes dos seus direitos, vivem na solidão uma ambivalência sufocante entre a consciência da igualdade de  direitos e a culpa ainda sentida quando decidem  libertar-se de supostas “obrigações” ….

Todos os dias oiço histórias de  sofrimento acerca  da violência exercida sobre mulheres na infância, no trabalho, na vida conjugal e familiar… mas também sobre meninas e meninos  na escola que escolhem atividades lúdicas, desportivas ou artísticas conotadas como “femininas” e o mais difícil é quando na escola emerge uma situação de um jovem que decide assumir a sua real identidade de género …

Gostava de partilhar convosco uma das histórias que  me marcou  :

A história da mãe do André …

O André de 4 anos, passa a vida a desenhar cenas de matanças de porco, touradas… tudo com muito sangue , muita crueldade e raiva … Diz-me que de vez em quando vai á fábrica visitar o pai e ele deixa-o beber um pouco de cerveja … Diz-me que o pai trabalha na fábrica desde que matou a mãe… Deu-lhe muitos pontapés até ela morrer… mas gostava muito dela , só não gostava que ela tivesse ido viver para a casa da avó…

A mãe agora é uma estrelinha que brilha no céu… mas ele não gosta da noite e das estrelas … Quando for grande quer ser policia … A policia é que foi buscar a mãe  …

A policia a quem a mãe tinha apresentado uma queixa por violência doméstica dois meses antes, a policia que não protegeu a mãe, a policia que quando a avó estranhou que ela não fosse buscar o filho à creche e não tivesse avisado e não atendesse o telefone, não quis iniciar as buscas porque ainda tinham passado poucas horas desde o seu desaparecimento e certamente “ela anda por aí…” A policia que não atendeu à aflição da avó e ao receio que se veio a concretizar: e se ele lhe fez mal e a deixou por aí ?!!

Mas o André acredita que quando for policia poderá reparar estas situações, proteger as mulheres …

 Podia também falarmos da  História da Joaquina, que não saiu mais do quarto aos 15 anos quando a família descobriu que mantinha uma relação com outra rapariga … ou a história  da Francisca , que tentou varias vezes pôr termo à vida por não aguentar mais viver  num corpo de homem e só ter conseguido assumir-se e libertar-se quando foi estudar para o Porto.

Um meio pequeno, como Serpa, é sentido como muito opressor, controlador e cínico… A comunidade aparentemente pacifica , humorística , expressa o seu conservadorismo com muito violência e continua a transmití-lo às gerações mais novas…


Cada história que conhecemos mostra-nos…

Que muitas mulheres que vivem situações de violência intensa  não estão  ainda  adequadamente protegidas pelas instituições  

Que as mentalidades são mesmo muito difíceis de corrigir 

Que ainda temos um caminho longo para percorrer por cada uma de nós à nossa maneira ,dia – a dia,  mas sem  baixar os braços … 

Que urge aproveitar este momento eleitoral para reforçar a necessidade de mais medidas como:

- elaborar o plano para a Igualdade

-Incentivar a criação de um conselho Municipal ou a criação de uma equipa para a Igualdade na vida local

- elaborar uma estratégia local para prevenir a violência de género com ações junto das escolas , das famílias, dos idosos, das empresas, instituições  etc…; 

- apoiar as vitimas  e desenvolver respostas mais ajustadas quer para as vitimas como para o acompanhamento dos agressores.

Não podemos esquecer que a luta é difícil e por vezes sentida como pouco gratificante mas nunca desistir nem deixar esmorecer a nossa  força  …

A força cujo exemplo temos no Alentejo e bem perto de Serpa, relembrando uma grande mulher lutadora,  Catarina Eufémia, uma  referencia para todas nós ; Catarina tinha 26 anos de idade quando foi assassinada à  tiro na sequencia de uma greve de assalariadas rurais; era analfabeta… Catarina tinha três filhos e ofereceu resistência ao regime salazarista…

Não nos podemos esquecer , que Portugal, é também o país das três Marias que em 1971, três anos antes do 25 de Abril publicaram o livro “as novas cartas portuguesas”, livro que assumiu um papel central na queda da ditadura, que levou ao mundo a existência de situações discriminatórias agudas em Portugal relacionadas com a repressão policial, o poder do patriarcado católico e a condição das mulheres…

É com a força desta inspiração  e com uma singela homenagem “as três Marias” que partimos para a nossa campanha em Serpa , continuando a escrever e divulgar as nossas novas cartas serpentinas, pela igualdade , por uma melhor cidadania e pela afirmação dos nossos direitos, dos direitos  das mulheres e da nossa  luta contra a eliminação total da violência e de qualquer forma de discriminação baseada no género."

Comentários

Mensagens populares